Quanto à ausência de empresas alemãs nesses memorandos envolvendo as regiões portuárias, como também acontece no Porto do Açu (RJ), Ansgar Pinkowski, Gerente de Inovação e Sustentabilidade da Câmara Brasil Alemanha do Rio de Janeiro, lembra que a cultura do país é de “pensar mais e depois entrar no negócio já sabendo o que fazer”, citando que muitas companhias são responsáveis por fornecer os equipamentos para produção do H2V, como a Siemens, que prepara todo seu portfólio para descarbonização.
“Nossa estratégia é acompanhar o movimento de clientes e fornecer as soluções adequadas, seja hidrogênio ou derivados, como amoníacos, gasolina verde, entre outras possibilidades, enquanto revisamos a viabilidade de projetos e o custo do H2V para as aplicações possíveis”, disse o responsável da Siemens Energy pelo Hub na América Latina, Andreas Eisfelder.
Ele conta que a empresa ainda não tem planos para construção de plantas de hidrogênio em solo brasileiro, analisando as oportunidades para implementar algum projeto mais completo, algo que deve aparecer mais para frente.
“Gosto muito de ver como o ecossistema do H2V está acontecendo no Brasil, cheguei aqui em novembro do ano passado e estou surpreendido com a paixão que o setor energético e químico tem para receber essas possibilidades desse vetor”, comenta Andreas.
A nova reestruturação para energia da Siemens firmou nesse ano um acordo com a Eletrobras e o Cepel para alocação de um eletrolisador dentro da cadeia de valor, analisando o conceito de acoplamento de setores. “Uma tecnologia nova e que precisa de regulação bem definida e consistente para assegurar que nossa solução se adeque bem ao contexto brasileiro”, explica.
Um grande marco para a companhia foi o lançamento do eletrolisador Silyzer 300, da ordem de 17 MW, há três anos. Outra divisão da antiga holding, a Siemens Gamesa, também anunciou um projeto em 2021, mas para produzir hidrogênio verde de baixo custo a partir de energia eólica.
Na visão de Andreas nenhum país está mais avançado do que o Brasil, visto que o transporte industrial do H2V é um processo novo para qualquer nação. A expectativa é que o governo brasileiro traga um ponto de referência e responsabilidades, estabelecendo autoridades para dialogar sobre qualquer ponto que fique em aberto.
“Tem que definir o responsável por autorizar uma instalação de planta e para responder pela regulação desse novo vetor energético. Os atores precisam saber com quem irão falar as questões regulatórias”, avalia.
A questão da segurança jurídica para os grandes investimentos em longos prazos é uma tônica de todas as fontes ouvidas pela reportagem. Para a brasileira Hytron, criada há 30 anos num laboratório da Unicamp e que atua em todas as frentes do negócio com soluções e equipamentos para quem deseja entrar na economia do H2, é necessário que o governo pense também em alguns incentivos para desenvolver o mercado.
“Talvez algo com tempo limitado de 10 a 15 anos e benefícios comparados a outros combustíveis fósseis, o que irá motivar ainda mais os investidores”, afirma o CEO da companhia, Marcelo Veneroso, que tem se reunido com diferentes players, inclusive com o MME, sugerindo aportes do país para dar mais escala a esse mercado.
“Solicitamos ao governo que coloque recursos para iniciar projetos reais, com caráter comercial e índices de nacionalização interessante, prestigiando quem já está no Brasil com a tecnologia. É o embrião que pode virar uma vitrine no mundo”, analisa.
Outro ponto colocado nas reuniões é que o programa nacional para o vetor traga benefícios para toda sociedade, entre elas a indústria, no sentido de que a produção, equipamentos e tecnologia do H2 seja dominada completamente pelo país.
Ao longo de quase duas décadas de pesquisas, a Hytron desenvolveu sistemas de produção de hidrogênio a partir de insumos renováveis dentro de um contêiner, em módulos que podem chegar a até 5 MW com vistas a facilitar o transporte, e que pode ser instalado em postos de distribuição de combustíveis para produzir H2 localmente a partir do etanol, por exemplo, uma das vedetes da empresa para o Brasil.
“Temos condições de fazer a geração do hidrogênio a partir do biometano, gás natural, cana de açúcar, milho, entre outros insumos através de reformadores, criando combustíveis sintéticos e desenvolvendo qualquer processo que o cliente precise”, pontua o executivo.
Outra tecnologia de geração utilizada vem dos eletrolisadores alcalinos, na qual o eletrólito corresponde uma solução aquosa de Hidróxido de Potássio (KOH), mas o PEM (Proton Exchange Membrane) é a grande aposta para os próximos anos, onde o eletrólito corresponde a um condutor iônico sólido, geralmente na forma de uma membrana polimérica, com o custo hoje se aproximando ao alcalino, mas com diversas vantagens.
Para Veneroso, o diferencial da empresa é atuar em todas as frentes da cadeia de valor do hidrogênio, o que no ano passado despertou o interesse do grupo alemão Neuman & Esser (NEA), um dos líderes mundiais na fabricação de compressores de pistão e diafragma e que acabou adquirindo a companhia para ampliar seu portfólio, que prevê 30 milhões de euros em uma unidade de fabricação de H2 na Alemanha.
“É difícil encontrar um único player que faça eletrolisador, reformador e PSA (Pressure Swing Adsorption). Temos condições de fazer hidrogênio com os mais altos graus de pureza, como para o setor de veículos”, define o executivo, informando avanços em um projeto para fabricação de diesel sintético para aviação e um protótipo para produção do H2 a partir do óxido sólido.
De acordo com a Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha, a aquisição da Hytron corrobora o movimento no qual 60% das empresas alemãs que trabalham no desenvolvimento de H2V têm subsidiárias no Brasil e 95% das companhias globais também têm controladas no país, o que pode significar acesso avançado de tecnologia sobre o assunto, restando trabalhar em demandas no mercado interno.
Por aqui o hidrogênio é um dos sete temas prioritários de Pesquisa & Desenvolvimento regulado pela Aneel, conforme orientações do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que também aprovou a criação de um programa nacional para o vetor, com participação dos ministérios de Ciência e Tecnologia e Desenvolvimento Regional, Minas e Energia, além da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
O plano deve ser lançado em pelo menos um ano, com as diretrizes devendo ser anunciadas em julho. No começo do ano a EPE divulgou uma nota técnica em que sinaliza a necessidade de uma consolidação e a formalização de uma estratégia nacional arco-íris, contemplando todas oportunidades de desenvolvimento de uso do H2 sem ficar limitado ao tipo verde, o que aceleraria a formação de mercados.
“O governo brasileiro quer deixar todas possibilidades de geração do insumo aberto para desenvolver o mercado interno, o que é compreensível tendo em vista todos investimentos em óleo e gás e a conjuntura econômica do país frente à pandemia”, opina Ansgar Pinkowski.
Ele lembra que no futuro haverá uma rotulação do hidrogênio para sua comercialização e o que irá definir qual cor irá prevalecer é o mercado privado, que aponta para o verde e certificados acreditados internacionalmente para comprovar a origem.
Já para a representante do MME não existe uma narrativa de eletrificação que valha para todo mundo, como a dominante europeia, com cada país tendo que avaliar as vantagens competitivas e as melhores rotas. “A ideia é dar escala para o mercado com os hidrogênios mais competitivos que existirem e que o mundo naturalmente irá transicionar para o mais limpo”, avalia.
A responsabilidade do governo seria olhar as lacunas regulatórias e especificações técnicas no intuito de conferir quais as pendências para engrenar o uso da molécula como energético. Para isso, a pasta está aberta a sugestões e caminhos para decidir quais providências tomar, tendo agendado uma reunião com o setor privado para a primeira semana de julho.
“Não podemos restringir os modelos de negócio até pela questão da neutralidade tecnológica, as empresas têm que apresentar seus projetos e nós dizemos se cabe dentro das normas do setor”, sustenta Agnes, acrescentando que aparentemente as normas para gás e energia acomodam o H2 como energético, como por exemplo nas especificações técnicas dos dutos avaliados novo mercado de gás.
No entanto, ela admite haver ainda a indefinição na questão dos projetos de H2V que precisem licenciamento ambiental, se tal competência caberia ao Ibama ou ao órgão estadual, assim como se precisará de outorga da Agência Nacional das Águas e Saneamento (ANA) para uso dos recursos hídricos no processo de eletrólise, ainda mais numa conjuntura de crise hídrica.
“O que temos defendido é que temos que aproveitar e reunir o conhecimento que existe no setor. Nosso trabalho será viabilizar investimentos privados e criar regras claras e ambientes propícios”, resume.
Segundo Agnes, o governo não alocará recursos em uma tecnologia ainda cara, o que não impede que os estados e o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) possam formalizar acordos com apoio da expertise da Federação, como nos processos de privatização das estatais.
“Não podemos ficar para trás e o que tiver de interesse no Brasil vamos canalizar”, assegura, mirando o desenvolvimento de um mercado competitivo sem subsídios e através de cooperação e sinergias com outros países, citando conversas avançadas com o Banco Internacional de Desenvolvimento (BID), Reino Unido, Colômbia e Dinamarca, esta última em tratativas para um memorando de entendimento.
Outro destaque confirmado pela Chefe da Assessoria Especial em Assuntos Regulatórios do MME é o lançamento de uma chamada estratégica da Aneel e da ANP até o final do ano que vem para começar a receber projetos em 2023, semelhante ao que aconteceu com a mobilidade elétrica em 2019. Um dos projetos interessantes dentro do programa envolvendo o setor elétrico é um de Furnas na UHE Itumbiara, com a empresa produzindo H2 pela primeira vez em 64 anos de história.
Além do P&D, o governo trabalha para gerar mais conhecimento sobre o assunto e um dos pontos envolvidos é capacitação humana, tendo se reunido recentemente com o Ministério da Educação para identificar as lacunas e sugerir ideias para formação de novos profissionais, sejam operacionais ou ligados ao processo de inovação disruptiva.
Uma delas é criar a plataforma “Hidrogênio + Brasil”, com um portal na internet onde constará todos os dados e informações sobre o assunto para os investidores e consumidores, gerando um conhecimento atualmente muito disperso. Iniciativa semelhante foi lançada pela Câmara Brasil Alemanha, em parceria com o Gesel.
Na visão do pesquisador Maurício Moszkowicz é preciso apoiar o desenvolvimento de experiências tanto do plano acadêmico quanto industrial, com a posição do BNDES, FINEP e outras financiadoras sendo de importância capital, assim como o papel das entidades certificadoras.
Já Jurandir Picanço, da Fiec, chama atenção para que o novo plano do governo apresente alguns privilégios para o H2V, como políticas públicas que acelerem os processos até que essas novas tecnologias fiquem competitivas, assim como aconteceu com as fontes eólica e solar.
“O mais fácil seria criar uma taxação para as emissões de carbono, passando a transformar o processo em competitividade”, destaca, lembrando que outros países já estabeleceram políticas que praticamente obrigam a transformação da indústria, mobilidade e produção de energia e que sem medidas desse porte será difícil desenvolver um mercado com custos ainda muito elevados.
Por fim Marcelo Veneroso, da Hytron, pondera que o H2V precisa ser viabilizado em seu tempo e que existem ainda ativos muitos grandes ainda baseados em combustíveis fósseis, sendo a estratégia mais inteligente abrir o foco e começar a transição com a utilização do H2 mesmo que não seja o verde.
Um exemplo são as máquinas agrícolas, hoje a maioria funcionando a base de diesel. “Com o diesel sintético você troca o combustível atual das máquinas usando o H2 azul com a mesma base de ativos e sem fazer mudanças tecnológicas de grande porte, diminuindo as emissões em pelo menos 80%”, conclui.