Expectativa é que governo federal realize leilão, no início de 2024, para novas linhas de transmissão. Sistema atual dá conta de primeiros projetos.
O hidrogênio verde é a grande aposta para a transição energética em todo o mundo. Com a urgência global para descarbonizar as atividades produtivas, o nordeste brasileiro desponta como potencial protagonista na geração de energia limpa. Já favorecido por condições naturais, o estado precisa ter infraestrutura para perdurar como opção competitiva e fortalecer a própria economia.
A capacidade de transmissão é um dos possíveis gargalos para este cenário no futuro próximo. A necessidade é de mais linhas de transmissão para que uma grande demanda de energia renovável possa circular em caminhos que incluirão novas usinas e o Sistema Interligado Nacional (SIN).
O Ceará, primeiro estado brasileiro a produzir uma molécula de hidrogênio verde, precisará aproveitar ao máximo o potencial para produzir energia eólica e solar, fontes renováveis que alimentam a produção de hidrogênio verde (ver abaixo).
Para isso, dependerá da expansão do sistema que permita o escoamento da energia para as unidades eletrolisadoras, explica Jurandir Picanço, consultor de Energia da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec) e membro da Academia Cearense de Engenharia (ACE).
Como ilustra o consultor, o projeto em estágio mais promissor no Ceará é o da multinacional australiana Fortescue Metals Group, que prevê uma planta de hidrogênio com 1,2 gigawatt (GW) de capacidade de eletrólise no Porto do Pecém. Ele aponta que a produção atual de todas as usinas eólicas no Ceará não chega a 3 gigawatts (GW).
“Hoje existe uma capacidade muito grande para atender os primeiros projetos. Depois disso, os projetos precisarão e exigirão ampliações do sistema de transmissão. Então aí é que as oportunidades estarão: onde o sistema de transmissão terá condições de transportar energia”, alerta Jurandir Picanço.
Atualmente, são 32 memorandos de entendimento assinados entre o governo do Ceará e empresas interessadas em implantar projetos de hidrogênio verde.
De olho no novo mercado e na crescente demanda por outras fontes de energia, os governadores do Nordeste têm sinalizado essa preocupação para o governo federal. Em maio de 2023, a ampliação da capacidade foi uma das pautas discutidas entre os gestores da região, representados no Consórcio Nordeste, e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.
Isso porque as novas linhas são implantadas quando o governo aprova leilões de transmissão de energia, fazendo o planejamento e os investimentos para que a iniciativa privada assuma a construção e a operação de linhas e subestações de energia.
No encontro do consórcio, realizado em Fortaleza, o ministro afirmou o compromisso em cobrar velocidade na aprovação dos leilões anunciados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Um próximo leilão a ser anunciado irá contemplar grandes ampliações da rede em 14 estados, incluindo todos os estados do Nordeste, com exceção do Sergipe. O investimento previsto é de R$ 19 bilhões, e o prazo das obras fica entre três e cinco anos.
A expectativa é que o novo leilão seja realizado no início de 2024, explica Joaquim Rolim, secretário Executivo da Indústria da Secretaria do Desenvolvimento Econômico (SDE) do Governo do Estado.
Conforme destaca Joaquim, o diálogo do governador Elmano de Freitas com a gestão federal tem sido frequente para incrementar o sistema de transmissão. O secretário informa, ainda, que o Ceará deve ter sua produção de hidrogênio verde em larga escala a partir de 2026, com cerca de cinco memorandos que estão em fase mais avançada no desenvolvimento dos projetos.
“Mesmo assim, hoje nós já temos condição de começar essa produção que eu falei, em 2026. Já existe disponibilidade no Complexo do Pecém para receber uma carga variando em torno de 1,5 a 3 gigawatts (GW) de eletrólise. Isso já é significativo em termos de produção para hidrogênio”, assegura o secretário.
Ele destaca que a demanda por maior capacidade de transmissão também vem do entendimento dos benefícios que o hidrogênio verde pode trazer para o Nordeste e para o Brasil no futuro.
Mesmo com a realização do leilão, a melhoria no sistema demora a chegar, lembra o consultor Jurandir Picanço. Enquanto as obras de novas usinas para geração de energia e unidades eletrolisadoras levam cerca de três anos, os projetos de novas linhas de transmissão se concluem entre cinco e sete anos.
“Na implantação do sistema de transmissão, é uma faixa que corta muitas propriedades, que passa por áreas que têm, às vezes, restrições ambientais”, detalha Jurandir. Por isso, ele avalia que o tempo da expansão pode não acompanhar o de demanda por hidrogênio verde.
Modalidades de produção de energia a partir do hidrogênio — Foto: Arte g1
O hidrogênio é o elemento químico mais abundante no planeta. No entanto, ele está sempre combinado com outros elementos. Como na água, onde aparece combinado com o oxigênio. Para que possa ser transformado em energia, o hidrogênio precisa ser separado das outras moléculas.
Como não está na natureza na forma pura, o hidrogênio não é uma fonte de energia. Ele é, na verdade, um vetor de energia, diferencia Natasha Esteves, mestre em Ciências Físicas Aplicadas a Energia Renováveis e doutoranda em Engenharia Elétrica.
Diferentes usos de energia para isolar o hidrogênio geram três tipos de produtos: o hidrogênio cinza, o hidrogênio azul e o hidrogênio verde (ver abaixo). De todos, o verde é o único que não envolve um processo com emissões de carbono, o principal vilão do efeito estufa e do aquecimento global.
Atualmente, cerca de 90% do hidrogênio produzido hoje em todo o mundo é o hidrogênio cinza. Embora a tecnologia já esteja disponível, o custo para produzir o hidrogênio verde ainda é bem maior, detalha Fernanda Leite Lobo, professora do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental e pesquisadora do Laboratório de Hidrogênio e Máquinas Térmicas (LHMT) da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Segundo a pesquisadora, isso acontece principalmente pelo custo das energias renováveis e dos eletrolisadores, dispositivos que fazem a quebra da molécula da água por meio da eletricidade.
“Entretanto, esse momento inicial de alto custo aconteceu também com a eólica e a fotovoltaica. Há barreiras tecnológicas a serem vencidas no transporte e armazenamento do hidrogênio, para que ele se torne o vetor energético desejado para a descarbonização de diversos setores da economia”, explica Fernanda.
Baixar o custo das energias renováveis é um dos pontos que o Brasil pode solucionar. Como lembra a pesquisadora, as eólicas do Nordeste foram apontadas por ter o megawatt-hora renovável mais barato do mundo em relatório da International Renewable Energy Agency (IRENA – Agência Internacional de Energia Renovável, em tradução livre).
Em janeiro, Ceará lançou a primeira molécula de hidrogênio verde produzida no Brasil — Foto: Governo do Estado do Ceará/Divulgação
Os esforços para colocar o Ceará no mapa do novo mercado buscam aproveitar o potencial natural e o geográfico do estado. No início de 2023, o estado lançou a primeira molécula de hidrogênio verde produzida no Brasil, em evento que se anunciou como um dia histórico.
Representando o setor da indústria, o consultor Jurandir Picanço avalia que o governo estadual tem dado a atenção devida ao tema, com investimentos na infraestrutura.
Outro ponto que ele destaca é a parceria estabelecida para utilizar água de reuso dos esgotos tratados no macrossistema de Fortaleza para a produção de hidrogênio verde no Ceará. O contrato foi firmado em novembro de 2022 com a Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh) e a Utilitas, empresa constituída pela Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece).
A busca pela competitividade no setor industrial e no setor de energia tem colocado o Ceará na rota dos grandes investimentos, comenta o secretário Joaquim Rolim. As projeções do hidrogênio verde para o estado estão em sintonia com projetos do mundo todo, com perspectiva de produção em grande escala a partir de 2025.
Outras regiões do Brasil e do mundo apostam em projetos para produzir o hidrogênio verde. — Foto: GettyImages
No Brasil, outras regiões também têm se mobilizado para esta produção, como o Porto de Suape (Pernambuco), o Polo Industrial de Camaçari (Bahia), Porto do Açu (Rio de Janeiro) e Porto do Rio Grande (Rio Grande do Sul).
Há projetos no mundo todo, mas poucos em fase avançada. O relatório de maio de 2023 lançado pelo Hydrogen Council mostra que, de 1.046 propostas de grande escala anunciadas até o fim de janeiro, apenas 29 estão na fase em que o capital previsto está comprometido – nas fases de decisão final de investimento, projeto em construção ou em operação.
Para comprometer recursos anunciados, o investidor precisa sentir segurança de que o projeto terá boas condições de desenvolvimento, ressalta o consultor Jurandir Picanço.
Seriam necessários 320 bilhões de dólares para desenvolver, até 2030, todos os projetos anunciados, conforme aponta o relatório do Hydrogen Council. Para zerar as emissões globais de carbono até 2050, conforme meta da Organização das Nações Unidas (ONU), os investimentos deveriam mais que duplicar.
Dentre os países investidores, a maioria está na Europa (117 propostas), seguida pela América Latina (48) e América do Norte (46). O documento mostra, ainda, que os norte-americanos lideram os projetos em fase mais madura.
A regulamentação do hidrogênio verde é uma das urgências defendidas pelo governador do Ceará — Foto: Governo do Estado do Ceará/Cadu Gomes – VPR/Divulgação
Como peça central na transição energética, o hidrogênio verde tem uma variedade de usos no futuro. Uma das possibilidades é gerar energia para setores considerados difíceis de eletrificar, como o de transportes pesados envolvendo caminhões, aviões e navios, explica a professora Fernanda Lobo.
Outro uso é na fabricação de produtos que usam atualmente o hidrogênio cinza. É assim que se pode gerar o aço verde e vários outros produtos feitos sem emissão de carbono. As indústrias do aço, da margarina hidrogenada e dos fertilizantes são alguns exemplos de potenciais beneficiadas desse novo combustível.
“O hidrogênio serve para armazenamento de energia, então você pode produzir esse hidrogênio a partir de energia eólica e solar e utilizar no período de baixa demanda e armazenar até por períodos longos, sazonais. Então a aplicação é diversa, a grande sacada é exatamente que ele pode fomentar a transição energética porque a gente consegue usar das formas mais variadas possíveis”, comenta a consultora Natasha Esteves.
Por essa versatilidade, a preocupação é que o Ceará não fique apenas na posição de exportador. Além de atender países interessados na energia limpa, o estado pode aproveitar a oportunidade para fortalecer a indústria local. Para isso, será necessária uma política pública para nortear esse desenvolvimento, argumenta Jurandir Picanço.
“É muito melhor que a gente exporte o produto verde. A União Europeia já vai taxar a importação de aço em função do seu conteúdo de carbono. Então se tem muito carbono vai pagar um imposto. O que importa é que a gente produza aqui e exporte o aço verde, o fertilizante verde. É mais importante que tenha o produto, e não exportar o hidrogênio e a gente comprar de volta o produto verde produzido na Europa.”, detalha o consultor.
A regulamentação do novo mercado é outro ponto de urgência. No senado, a Comissão Especial do Hidrogênio Verde (CEHV) é presidida pelo senador cearense Cid Gomes e discute políticas públicas para estimular tecnologias da geração de energia limpa.
Atualmente, o Ministério de Minas e Energia discute diretrizes para o Programa Nacional do Hidrogênio (PNH2), incluindo eixos como arcabouço legal e regulatório, crescimento do mercado e competitividade e fortalecimento das bases tecnológicas.
Em julho, o governador do Ceará apresentou a regulamentação do hidrogênio verde dentre as pautas urgentes para o Nordeste, em reunião com o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin.
Gestores, parlamentares e diversos atores têm dialogado para construir um planejamento que contemple tanto o potencial de exportação como o de fortalecimento do mercado interno, aponta o secretário executivo Joaquim Rolim.
“A gente precisa, resumidamente, de um plano nacional para o hidrogênio verde, com metas e prazos, onde vamos chegar, com uma visão e uma missão bem definida”, comenta.
Para Natasha Esteves, a nova conjuntura também precisa promover a capacitação de pessoas qualificadas para a área no Ceará. Com uma ampla cadeia, o hidrogênio verde abre oportunidades de desenvolvimento para profissionais de diversas áreas, como gestores, profissionais das engenharias e técnicos para as novas instalações.
A especialista aponta, ainda, a demanda por pedagogos para as capacitações sobre o tema e profissionais que se voltem para um diálogo adequado com as comunidades do entorno e os impactos ambientais de cada empreendimento.
A Sauer está atenta as regulamentações do setor e conta com uma linha de compressores especificamente desenvolvida para a compressão do hidrogênio em alta pressão.